quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Fatmagül | Crítica social, incômodo e polêmicas: tudo sobre a nova novela do canal VIVA

Fatmagül'ün Suçu Ne?, um marco da teledramaturgia otomana (Foto: Divulgação/Kanal D International)


Muitos a criticam, porém poucos conhecem a sua história

Fatmagül'ün Suçu Ne?( Fatmagül, a força do amor no Brasil) foi exibida entre 2010 e 2012 pelo Kanal D na Turquia. A história foi contada em 80 capítulos distribuídos em duas temporadas, rendendo altos índices de audiência. Na versão internacional, o folhetim contém 169 capítulos de 45 minutos cada, com exceção do último que tem 70 minutos.

A novela foi vendida para mais de 180 países desde que as novelas turcas debutaram na América Latina, em 2014, sendo um sucesso em todos eles. Na Espanha foi exibida pela primeira vez em 2018 e se tornou a novela mais vista da emissora Nova com uma média de 744.000 telespectadores, chegando em alguns capítulos a atingir cerca de 1 milhão de pessoas. No Brasil foi exibida no lugar de Mil e Uma Noites (Binbir Gece) pela emissora Band entre 2015 e 2016, mantendo os índices do sucesso anterior. E agora, o folhetim retorna para a televisão brasileira no canal Viva, emissora da TV paga pertencente ao grupo Globo.

Fatmagül é uma jovem humilde do campo que tem sua vida transformada por uma tragédia (Foto: Divulgação/Kanal D International)


A HISTÓRIA

Fatmagül (Beren Saat) é uma jovem humilde e inocente que está de casamento marcado com Mustafá (Fırat Çelik), mas uma tragédia está prestes a mudar totalmente sua vida. Em uma noite é capturada por quatro homens, dos quais três abusam dela. A partir desse momento, Fatmagül é obrigada a mudar de cidade com sua família por causa dos comentários da população, como se não bastasse ainda é abandonada por seu noivo e acaba se casando com Kerim (Engin Akyürek), amigo dos homens que a violentaram, o qual aceita ter parte da culpa pelo estupro, uma vez que não denunciou seus amigos. Agora morando em Istambul, Fatmagül tentará se recuperar do trauma pelo qual passou e procurar justiça em um mundo machista onde a voz de muitas mulheres é silenciada.

A POLÊMICA

O drama de Fatmagül detém um dos títulos mais polêmicos já produzidos na Turquia. O próprio título Fatmagül'ün Suçu Ne? (Em tradução literal “Que culpa tem Fatmagül? ”) reflete o tom engajado da trama em retratar um tema tão pesado.

A trama fez tanto barulho na Turquia e em outros países do Oriente Médio que gerou discussões no parlamento turco. Alguns líderes chegaram a mandar mensagens de apoio ao Kanal D depois de terem assistido a novela.

É UMA NOVELA MACHISTA?

O contexto social sim, a história não. Fatmagül funciona como uma espécie de crítica social, expondo uma sociedade vivendo de forma ilógica e sem voz. O machismo presente na obra serve como pano de fundo para a fundamentação da crítica, fato também presente em algumas produções norte-americanas como The Handmaid’s Tale (2017 – atual). Para discutir alguma problemática, primeiro é necessário expô-la.

No último capítulo, uma multidão se reuniu para comemorar a vitória da protagonista contra seus algozes (Foto: Divulgação/Kanal D International)


SOZINHAS NUNCA MAIS

Após o término da novela, grupos de apoio foram formados a fim de ajudar diversas mulheres vítimas de abusos sexuais e violência física, um deles foi intitulado de “Sozinhas nunca mais”, o qual gerou movimentos sociais no país. Inclusive, no último capítulo do melodrama, o grupo social participa de uma das últimas cenas onde pessoas levantam cartazes e gritam em coro o nome do conjunto.

DENÚNCIA SOCIAL

A história de Fatmagül é baseada no livro homônimo do romancista Vedat Türkali, lançado na década de 70, onde casos de abuso sexual eram constantes e os estupradores terminavam impunes. Vale mencionar que o enredo do livro é fictício, porém o assunto é real. O novelista usou o drama para criticar ferozmente a sociedade machista e expor o quão terrível e ilógico era a situação, gerando a partir de então vários centros de debate e mudanças na legislação. O escritor turco era conhecido por seu ativismo em torno dos direitos das mulheres. Sua filha, a atriz Deniz Türkali (Perihan), chega a atuar na novela.

ESCRITA E DIRIGIDA POR MULHERES

A novela levada ao ar em 2010 na Turquia contou com a adaptação do texto de Vedat nas mãos da dupla feminina Ece Yörenç e Melek Gençoğlu (Amor Proibido) e a direção sob o comando da renomada diretora Hilal Saral.

De mulheres para mulheres (Foto: Divulgação)


A IMPORTÂNCIA DE FATMAGÜL’ÜN SUÇU NE? PARA A DRAMATURGIA

Fatmagül é um melodrama com uma mensagem social que atravessa gerações até hoje. Apesar de fictício, o drama percorre uma jornada naturalista e que serve de ponte para uma comunicação orgânica com o público. Diferente de muitas outras histórias onde a heroína é violentada e se vinga, Fatmagül não precisou mudar de identidade, usar uma capa de super-herói, ou ainda conseguir uma herança e virar milionária para conseguir justiça. Ela, uma mulher simples do campo, conseguiu que sua voz fosse ouvida com muita persistência e fé. Ademais, se empodera no desenvolver do enredo, termina seus estudos e abre um negócio próprio. De fato, uma abordagem mais tradicional, porém igualmente poderosa e que expõe – principalmente para as mulheres – que é possível se defender e ter seus direitos atendidos sem apelar para situações rocambolescas.

Pôster da telenovela (Foto: Divulgação/Kanal D)


Além disso, durante o desenvolvimento do enredo, Fatmagül é acompanhada por psicólogos, e seu trauma é trabalhado com muita paciência. Isto é, a narrativa se preocupa em desenvolver os acontecimentos sob um ponto de vista mais responsável. A ideia não é apenas manter o público cativo, mas também conscientizar. Inclusive, no final, é exibida uma cena onde a pergunta do título original “Que culpa tem Fatmagül? ” é respondida. No início da obra, a mocinha é julgada por ter saído sozinha durante à noite, como se fosse a culpada pelo ato. Contudo, na sequência final é apresentada uma “realidade alternativa” com Fatmagül saindo sozinha no mesmo horário, e retornando para casa em segurança. Ou seja, a cena enfatiza que a protagonista não foi descuidada, mas sim uma vítima.

Protagonistas da ficção (Foto: Divulgação/Kanal D)


Outro feito, agora em termos narrativos, é o final inovador do melodrama. No último capítulo todo o público é levado de volta ao dia do crime, e vemos situações inéditas que reforçam a personalidade dos personagens. Por exemplo, fica claro que os Yaşaran nunca foram uma família correta (os negócios sujos sempre estiveram presentes no clã); também vemos que Erdoğan (Kaan Tasaner), por inveja do primo, planeja comprar as drogas para colocar o parente em uma situação constrangedora; Mustafa desde o início tem condutas machistas, o que vemos com mais clareza ao longo dos episódios. Confesso que é um desenrolar que pode parecer cansativo, porém responde muitos questionamentos e tem uma função narrativa muito poderosa.

CURIOSIDADES DA PRODUÇÃO

- A cena do estupro foi filmada durante toda uma madrugada em diferentes ângulos. A cena que foi ao ar foi a versão menos “perturbadora”.

- Para escrever e dirigir a cena do estupro foi necessária a consulta de psicólogos e especialistas;

- Beren Saat foi a atriz que mais pagou impostos na época da novela, uma vez que seu cachê era em torno de 80 mil liras turcas por capítulo;

- Quem escolheu o ator que deu vida ao personagem Kerim (Engin Akyürek) foi a própria Beren.

- A condição imposta por Hilal Saral para dirigir a novela era de que Beren Saat interpretasse a protagonista Fatmagül;

- As filmagens começaram poucos meses após o final de Amor Proibido, trama também protagonizada por Beren Saat;

- O personagem de Kerim foi modificado na novela, uma vez que no livro ele também participava do abuso, já na novela ele é o primeiro a incentivar Fatmagül por buscar justiça.

- A atriz Beren Saat já conquistou 19 prêmios ao longo de sua carreira e disse em uma entrevista que os pais devem ensinar seus filhos a serem feministas. Ainda alegou que sofreu assédio por parte um produtor e também de um ator.

Fatmagül estreia no Viva, a partir do dia 18 de dezembro, no horário das 20h30. Não perca a oportunidade de conferir este clássico da teledramaturgia turca. 


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