quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Ficções na TV brasileira: existe limite entre o real e o imaginário?

O Clone, novela de sucesso dos anos 2000 (Foto: Divulgação/Rede Globo)


Introdução

Este ano decidi que veria um clássico da dramaturgia brasileira, O Clone, melodrama escrito por Glória Perez em 2001, e reprisado várias vezes na Rede Globo e Canal Viva nos últimos anos. Um marco na TV do Brasil. Ainda estou no começo do folhetim, mas gosto de acompanhar comentários de pessoas que assistiram a trama antes de mim, ou até mesmo de quem está vendo no momento. Dito isso, foi lendo opiniões nas redes sociais que me deparei com um dilema: existe limite entre real e imaginário?

Novelas nacionais e a barreira do tempo 

Nos últimos 5 anos, novelistas do Brasil têm se deparado com um fenômeno recente, mas muito perigoso: o cancelamento. Tramas queridas pelo público passaram a ser julgadas por um filtro politicamente correto. Tudo aquilo que é condenado, ameaça a memória e destrói toda a magia da FICÇÃO. Porém, vale mencionar que esse "cancelamento" tem atingido só produções nacionais. Ou seja, aquilo que vem de fora (leia-se United States), mesmo não satisfazendo as ideologias contemporâneas, é praticamente anulado de julgamentos e lixamentos nas redes sociais. Por que será? Fica a reflexão.

Mulheres Apaixonadas (2003) e Pretty Little Liars (2010) trataram dos mesmos temas, porém só a primeira é julgada (Foto: Montagem/Foco na Dramaturgia)


É bem verdade que a nossa sociedade apresentou mudanças nos últimos 10, 20 anos. Ainda assim, certos comportamentos ainda estão presentes, querendo ou não. Portanto, para mim, é absurdo alguém querer condenar algo com a desculpa de "os tempos mudaram". Embora isso tenha algum fundo de verdade, a questão aqui é que o ser humano continua o mesmo.

Ficção não é vida real 

O segundo ponto é bem claro. A telenovela é uma obra ficcional sem compromisso com a realidade. Portanto, não tem obrigação alguma de obedecer certos padrões sociais. O que acontece é que para gerar identificação com o público, no geral, é preciso trazer um pouco do cotidiano para dentro do enredo. Mas não se pode confundir. Ficção ainda é uma história imaginária, onde aqueles personagens não existem e não representam nenhuma ameaça (não deveriam).

Para completar, atualmente, vejo muita cobrança em cima das telenovelas. Uma pressão sem sentido, uma vez que colocam essas produções como se elas existissem para "educar a sociedade". Educação se constrói no coletivo, no dia-a-dia, e não através de um enredo fictício. 

"Esse diálogo não cabe mais nos dias de hoje". "Esse personagem é muito problemático". "Essa trama envelheceu mal". A única coisa que envelhece somos nós seres humanos feitos de carne e osso. Enquanto envelhecemos e a vida vai diminuindo, tem pessoas causando barulho por causa de uma cena de novela feita no início do século atual ou passado. Talvez se a nossa atenção estivesse nos problemas reais, as soluções para o nosso mundo problemático seriam mais óbvias.

Conclusão

Portanto, acredito que discussões como essa nem deveriam existir. É algo tão banal para ter que ser explicado parágrafo por parágrafo. Sou a favor do debate, e acho que as novelas proporcionam isso, mas também há de se ter consciência que são obras audiovisuais - e de ficção - feitas com o propósito de entreter. 

Porém, se ainda a novela X ou Y soa antiquada e problemática demais, talvez não seja o seu tipo de produto. Até porque não podemos esquecer que a telenovela é um gênero que conversa com certos públicos, e não com um todo. Curtam o que gostam, e deixem quem gosta também curtir igualmente. Respeitar o espaço de cada um é apenas um passo, e assim como uma casa é feita de tijolos, a vida é um amontoado de pequenas coisas, porém jamais insignificantes.

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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

İyilik: o custo de uma boa ação [PRIMEIRAS IMPRESSÕES]

Pôster internacional da telenovela (Foto: Reprodução/Madd Entertainment)


Há alguns meses estou acompanhando uma novela turca chamada İyilik. Você provavelmente vai encontrá-la por aí com diversos títulos, como La Traición, Venganza y Amor, La Inquilina, ou ainda, Relaciones Peligrosas. A produção é um remake da telenovela sul-coreana Show Window: The Queen's House.

Estreada na Turquia em 2022, o drama é uma produção da Med Yapım, responsável por outro grande êxito no Brasil, Iludida (Sadakatsiz). A novela conta com as atuações protagonistas de Hatice Şendil, Sera Kutluber e İsmail Demirci. A adaptação corre a cargo de Ayşe Teker e Özge Korkmaz, enquanto Murat Öztürk cuida da direção.

Qual a história?

Neslihan (Hatice) é uma mulher da alta sociedade, casada e com dois filhos. Ela vive uma vida perfeita ao lado do seu marido, Murat (İsmail). Pelo menos, é o que ela acredita. O seu cônjuge mantém um relacionamento de anos com Damla (Sera), uma desenhista que ele salvou dos maus tratos que ela passava ao lado do tio. Após muito tempo sendo enganada pelo parceiro, Damla decide se aproximar de Neslihan para ter por perto quem ela enxerga como uma inimiga. Enquanto isso, Neslihan se compadece das mentiras de Damla, e a hospeda em sua casa. A situação sai do controle quando Neslihan descobre que colocou dentro de casa a amante do seu marido, e que ela está disposta a tudo para roubar sua vida.

Neslihan acredita ter a vida perfeita (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)


O preço de uma boa ação

A tradução literal do título original da novela é "bondade". Isso diz muito ao analisar cautelosamente o enredo, uma vez que Neslihan faz uma boa ação porque enxerga em Damla a irmã que ela perdeu muito cedo por causa de uma relação abusiva. 

Amigas?  (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)


No entanto, as boas intenções de Neslihan não são levadas em conta, e Damla demonstra ser uma pessoa muito, mas muito perigosa. Neslihan perde o marido, sua casa, a empresa da família, todo seu dinheiro, e como desgraça é pouca para ela, ainda vai parar na prisão sendo inocente. Após tudo isso, ela acaba morando de favor na casa de um policial que se compadece de todo seu sofrimento.

Muitas reviravoltas 

Neslihan e Murat discutem  (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)


Apesar de muito sofrimento, Neslihan não é uma protagonista que baixa a cabeça facilmente. Ela chora, mas enxerga nos filhos um motivo para seguir lutando para recuperar sua vida. Ao mesmo tempo, ela tem a ajuda de amigos próximos que estão dispostos a auxiliá-la nessa luta.

Neslihan é uma protagonista forte  (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)


O verdadeiro vilão

Murat destroi a vida de Damla e Neslihan  (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)

Mesmo focando na rivalidade entre Damla e Neslihan, İyilik também traz outra figura antagonista odiável, Murat, o marido de Neslihan. Ele é detestável, covarde, mentiroso, ladrão, e tudo de ruim que você pode imaginar. A trama em nenhum momento suaviza o personagem, mesmo em relação a sua paternidade. Foi Murat que se aproveitou do quadro emocional de Damla para usá-la a disposição de seus prazeres, e também foi ele o responsável pela queda financeira da família de Neslihan. Espero que até o final da novela, ele seja punido por todos os seus crimes, sejam eles morais ou não.

Roteiro, direção e atuações

A novela apresenta uma narrativa dinâmica, recorrendo a reviravoltas, saltos no tempo, e mistérios que engajam o público. O que me chama atenção aqui é que não existem núcleos paralelos. Todo o enredo gira em torno de Neslihan, Damla e Murat. Ainda assim, a trama não perde o gás em momento algum. Em contraste, como um melodrama declarado, o texto usa e abusa de diálogos expositivos e muita carga dramática. 

A direção de cenas é muito caprichada, com sequências memoráveis como quando Neslihan descobre a traição e leva Murat até o aterro sanitário para jogar na cara dele que sabe de tudo. Os embates entre mocinha e vilã são outro deleite. É puxão de cabelo, tapa na cara e xingamentos pra lá e cá. Tudo isso acompanhado de uma sonoplastia deliciosa. Cada gancho é um infarto!

Neslihan enfrenta Damla  (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)


O elenco principal esbanja talento. Hatice Şendil merecia mais oportunidades como protagonista, ela carrega um drama intenso como ninguém. Igualmente, Sera Kutlubey surpreende ao sair de sua zona de conforto como heroína, para uma personagem ardilosa, psicologicamente doente, e debochada. A atriz exagera em caras e bocas, mas tem carisma e cumpre o desafio.

İsmail Demirci também surpreende na pele do infiel Murat. O ator consegue desenhar um antagonista sem apelar para caricatura. É impossível não sentir ranço do seu personagem.

İyilik tem 27 bölümleri (capítulos de 120 minutos) na sua versão original, e 74 episódios na versão internacional. Essa review abrange até o capítulo 15 da edição turca. Espero que o folhetim continue empolgante. Depois volto para contar o fim dessa história.

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