quinta-feira, 22 de junho de 2023

Por que as novelas turcas têm uma edição diferente no Brasil?

Yargi: Segredos de Família, nova aposta turca do streaming da WarnerMedya-Discovery (Foto: Divulgação/Madd Entertainment)


Recentemente, Yargi: Segredos de Família debutou no catálogo da HBO Max e alugou um tríplex na cabeça dos fãs do melodrama: por que os capítulos estão menores? Este questionamento é válido, porém não é uma novidade! Desde que a Turquia começou a exportar suas ficções televisas para outros países, a edição é diferente. Portanto, TODAS as novelas turcas adquiridas para exibição em streaming/tv aberta/tv fechada terão este formato. Nesse caso, fica a critério da emissora/cliente exibir os episódios na arte padrão ou numa maior duração. 

Por que isso acontece?

Na Turquia cada capítulo contém cerca de 2 horas de duração em média, e são exibidos apenas uma vez na semana. É como se fosse uma maratona (binge watching) dos capítulos diários que as emissoras aqui no Brasil exibem de segunda a sábado. Historicamente, a indústria de TV no país otomano funciona dessa forma. Antes, os episódios eram um pouco menores – com arte em torno de 90 min. Todavia, devido ao fenômeno de vendas no exterior, eles resolveram aumentar este número para ganharem mais dinheiro com horas adicionais. 

Além disso, o padrão comercial para TV aberta é que os programas contenham em média 1 hora de duração (contando com intervalos comerciais). Inclusive, nos Estados Unidos isso é uma regra: nenhuma série de TV passa dos 45 minutos de duração por episódio. Por isso os capítulos das dizileri (plural de dizi) são divididos – não cortados – ou seja, para se adequarem a este formato. 

Yargi é vendida para o mercado externo numa versão diferente da que vai ao ar na Turquia (Foto: Reprodução/Madd Entertainment)

Essa estratégia não é exclusiva da Turquia. No México todos os capítulos já são gravados seguindo este formato, enquanto a Rede Globo “enxuga” suas tramas cortando (agora sim) tramas paralelas, dando assim mais evidência ao núcleo principal para os capítulos disponibilizados no exterior. 

Ademais, vale lembrar que os clientes já adquirem os episódios nesse formato. Isto é, se houve algum problema de edição, a culpa é total da distribuidora responsável. Importante mencionar isso pois a HBO Max e o Globoplay tem sido alvos de ataques de fãs desesperados, os quais alegam que os streamings estão “cortando” as novelas. Fake News!

Vantagens da versão internacional

Na Turquia, todas as ficções televisivas - para a TV aberta (importante especificar) - são acompanhadas pelo RTÜK (Conselho Supremo de Rádio e Televisão), assim obedecendo a uma série de regras para irem ao ar. Dentre elas estão algumas bem controversas como beijos limitados; sangue, bebidas alcoólicas e objetos pontudos em situação de perigo censurados com “borrões” na tela. 

Contudo, na versão internacional essa censura é derrubada. Sendo assim, os “borrões” (blur) somem, e algumas cenas adicionais podem ser incluídas dependendo da boa vontade da distribuidora. Por exemplo, Hercai, Sadakatsiz e Menajerimi Ara são apenas algumas das produções turcas que possuem cenas extras na versão para o exterior. 

Desvantagens da versão internacional

Como os episódios são divididos, os ganchos originais acabam ficando perdidos no meio da edição. Além disso, nem sempre o desfecho do capítulo na versão de 45 min é um momento pensado para provocar curiosidade. Pelo contrário, na maioria das vezes o episódio encerra numa cena completamente aleatória. Uma pena! 

Além disso, alguns editores pecam na ausência de cuidado na hora de editar. Sendo assim, não se espante com cortes bruscos de instrumentais, ou de cenas. Na humilde opinião de quem vos escreve, as melhores distribuidoras no quesito edição são a Inter Medya (Terra Amarga) e a Global Agency (Mãe). 

Novelas ou séries?

Acredito que esta dúvida confunde desde o fã mais antigo até o mais novo das produções turcas. Porém, a resposta para isso está numa questão cultural e histórica. 

Aqui no Brasil, por cultura, diferenciamos os produtos feitos localmente dos produzidos nos Estados Unidos, por exemplo. A ideia de série estava atrelada a um produto com menos episódios, e narrativas procedurais (o tal caso da semana). Contudo, devido ao processo de transmidiação muito em alta, hoje em dia fica difícil dar nome a um produto televisivo, pois as ficções tornaram-se um emaranhando de técnicas e narrativas comuns a todos os formatos. Inclusive, alguns países da América Latina como Argentina e Chile já praticamente aboliram o termo “telenovela”, usando no lugar “série de TV” e “telessérie”, respectivamente. 

Binbir Gece, o folhetim turco responsável por impulsionar as produções euro-asiáticas na América Latina (Foto: Divulgação/Band)


Na Turquia, até os anos 70/80, o público turco só consumia seriados estrangeiros, como telenovelas e soap operas. Segundo Arzu Öztürkmen em seu artigo “Turkish Content: The Historical Rise of the Dizi Genre”, o gênero Dizi é originário da influência da televisão estrangeira na TV turca. Ou seja, as séries de televisão estrangeiras de muito sucesso como Los Ricos También Lloran (TRT1, 1989) e Escrava Isaura (TRT1, 1985), foram as precursoras ao ensinar o público turco como “assistir televisão”. Elas também estabeleceram o desejo por narrativas particulares para as dizileri, o que consistia basicamente em histórias clássicas, romance, comédia e melodrama.

Culturalmente, na Turquia e em alguns países da Europa como Espanha e França, não existe essa divisão de “série de TV” e “telenovela”. Na verdade, todas as ficções televisivas são conhecidas como seriados – diários e semanais. Inclusive, uma visão que satisfaz o conceito real de “série” (sequência), que pode ser uma série de livros, de músicas, etc. Portanto, a “série de TV” seria toda narrativa maior dividida em partes (episódios), o que inclui a telenovela, a soap opera, os K-dramas, as dizileri, dentre outros gêneros. 

Protagonistas de Ask-ı Memnu, um dos maiores clássicos da dramaturgia turca (Foto: Divulgação)


Dito isso, apesar de no país dos Sultões, as dizileri serem traduzidas literalmente como “séries de TV”, aqui na América Latina elas chegam em um formato que se aproxima mais da nossa telenovela. Por isso, já é costume no continente latino chama-las assim, pois desde que começaram a ser exportadas elas vêm batizadas com este título. 

A troca de termos se deu nos últimos anos com o aumento de fãs que legendam estes produtos ainda no ar na Turquia. Como as traduções são feitas ao pé da letra – sem grandes adaptações – tornou-se corriqueiro o novo termo, o que na verdade acaba só confundindo mais o público. 


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sexta-feira, 16 de junho de 2023

CRÍTICA| Primeiras Impressões de Maviye Sürgün

 

Maviye Sürgün, pôster promocional (Foto: Divulgação/Show TV)

Estreou na última segunda-feira (12) a primeira co-produção turca entre a Telemundo dos Estados Unidos e a distribuidora turca Inter Medya. Trata-se de Maviye Sürgün (ou Exílio Azul em português). O folhetim foi ao ar pela emissora Show TV na Turquia. Ao que consta, o melodrama já está todo gravado com um total de 25 bolümlerı (capítulos turcos com 2 horas de duração em média). Na versão internacional, deve render uns 85 episódios de 45 minutos. 

A telenovela é estrelada por Damla Sönmez (Guerra de Rosas), Caner Cindoruk (Iludida) e Serkan Altunorak (Uma Nova Mulher). Sob produção da O3 Medya, direção de Nezaket Coşkun, a obra é original do roteirista Murat Dişli (Conselheira do Amor), com a colaboração dos escritores Ali Ercivan, Alper Atalan, Barış Erdoğan e İlker Arslan.

Como foi o primeiro episódio?

Defne (Damla) é uma golpista que rouba uma mala muito valiosa. Durante a fuga pelo mar, ela acaba perdendo o equilíbrio e bate a cabeça ficando inconsciente. No entanto, mais tarde é resgatada por Ali (Caner), um recém viúvo com dois filhos, que foi navegar para aliviar o estresse. Por sua vez, Defne finge não lembrar de algumas coisas, e se instala na casa de Ali. Ela aproveita a situação para entrar em contato com seu parceiro e marca um encontro para procurarem a maleta valiosa. Todavia, Ozan (Serkan), o homem que ela roubou a mala, a encontra e quer respostas.

Damla, Serkan e Caner em cena da telenovela (Foto: Divulgação/Show TV)


Vale a pena?

Com um clima de mistério, e uma fotografia solar, Maviye Sürgün debuta com a promessa de ser um drama recheado de reviravoltas. O roteiro desse primeiro episódio abre com uma interrogação muito interessante - e que fica implícita. É possível a vida nos levar a situações antes nunca pensadas para nos dar uma nova visão sobre o mundo?

Cena de Maviye Sürgün (Foto: Divulgação/Show TV)


Começamos esta história com personagens quebrados de alguma forma, e que tentam escapar de seus problemas em busca de paz (indo para o exílio azul do título). Ali é um homem maduro, pai, e que sofre pela perda recente da esposa. Apesar de ser o protagonista da atração, aparentemente ele não é o pai mais presente na vida dos filhos - algo evidenciado pelas discussões com a filha mais velha Azra (Mina Koyuncular).

Enquanto isso, Defne é uma aventureira sem regras, e um passado desconhecido. Juntos vamos descobrir quais os problemas que atormentam a vida dessa personagem. Além disso, temos os filhos de Ali que estão lidando com o luto pela perda da mãe, a tia deles que está sendo pressionada com dívidas, e o pai desta última, que tem como ligação especial com a filha falecida, um hotel, o qual está com os dias contados.

Serkan Altunorak como Ozan (Foto: Divulgação/Show TV)


Atuações

Com um time veterano de primeira, o folhetim consegue se manter com boas interpretações. Damla Sönmez é especialista em fazer personagens dúbias, e aqui mais uma vez vagueia com facilidade entre um ser angelical / maldoso. Também não ficam atrás os galãs interpretados por Caner Cindoruk e Serkan Altunorak, dois nomes já acostumados com papéis versáteis. 

Damla Sönmez, Caner Cindoruk e Serkan Altunorak, protagonistas da atração (Foto: Divulgação/O3 Medya)


Primeira impressão: Sem muita pretensão, Maviye Sürgün estreia com um enredo atraente, personagens fortes e uma teia de mistérios que desperta interesse.

Nota para o início: 8,0/10,0


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segunda-feira, 5 de junho de 2023

CRÍTICA | 1ª Temporada de Aile

Crítica da primeira temporada de Aile (Foto: Divulgação/Show TV)



Na última terça-feira (31/05) chegou ao fim a primeira temporada de Aile (Família) na emissora Show TV. A telenovela turca trouxe de volta para a TV dois rostos muito populares para as telas, Kıvanç Tatlıtuğ (Amor Proibido) e Serenay Sarıkaya (Medcezir). A produção sob o comando de Kerem Çatay conta com roteiro de Hakan Bonomo (Maraşlı) e direção de Ahmet Katiksis (Kara Para Aşk).

Antecedentes e polêmica

No princípio Aile foi pensada para ser um remake da série de sucesso da HBO, The Sopranos (1999-2007). No entanto, a Ay Yapım (empresa responsável pela produção do drama) não conseguiu chegar a um acordo com a emissora da Warner Bros. Discovery

Diante disso, Hakan Bonomo ficou encarregado de última hora para reformular o roteiro com uma história original. Deu certo? Naaaada! Aile, apesar de conter novos personagens e arcos narrativos diferentes, ainda possui o esqueleto narrativo de The Sopranos. Por exemplo, na versão turca estão presentes a família de mafiosos, a mãe narcisista, o romance problemático entre o protagonista e sua esposa, o tio sacana e a figura da psicóloga que tem como paciente um dos homens da máfia.

Elenco de Aile (Foto: Divulgação/Show TV)


Antes de discutir os pontos positivos e negativos da obra, é importante ressaltar que Aile iniciou na metade da temporada atual na TV turca (setembro-maio), portanto, não pôde chegar a um número maior de episódios. A temporada de inverno inicia em setembro e vai até maio/ princípios de junho do ano seguinte. Depois dessa data a TV otomana abre espaço para as produções de verão: dramas e folhetins infanto-juvenis. Assim sendo, a continuação do melodrama só poderá ser acompanhada em uma segunda temporada, no mês de setembro. Segundo a imprensa turca, inicialmente estão planejados um total de 30 capítulos de 120 min cada.

Balanço da temporada 

Aile se une a uma leva cada vez mais crescente de histórias voltadas para um aspecto psicológico que estão sendo produzidas na Turquia. Aqui o objetivo é claro: além dos conflitos físicos, a psique de cada personagem é uma caixa aberta de prontidão para ser explorada. 

Portanto, não é um drama para se esperar soluções convencionais ou punitivas - o tal Karma - ou ainda uma produção que se apresenta como uma cartilha social. É apenas uma história com personagens disfuncionais. O público precisa entender isso antes de embarcar nesta jornada.

Uma jornada nada convencional (Foto: Divulgação/Show TV)


Nesse sentido, a produção escrita por Hakan Bonomo em colaboração com Erdi Isik, Adilcan Güresçi, Ali Kobanbay e Bengi Özsögüt apresenta eficiência ao desenhar os conflitos internos de cada personagem. No drama, apesar de haver uma linha que separa um conflito de dualidades, não há necessariamente um lado bom e um lado mau. Cada personagem é levado a um estado limite, e as consequências são apenas o reflexo disso como é o caso de Yağmur (Yüsra Geyik), Devin (Serenay), Aslan (Kıvanç), e o próprio pai desde último que tira a própria vida.

Na segunda metade da temporada o roteirista resolveu balançar o drama trazendo a figura de um "vilão" para confrontar os protagonistas. Para isso chamaram um dos astros da televisão turca, o ator veterano Musa Uzunlar (Fatmagül) na pele do vingativo İlyas Koruzade. Além disso, também houve a revelação que Cihan (Nejat İşler) não é filho biológico da família Soykan, mas o sobrevivente de um clã eliminado por seu pai adotivo. 

Ator veterano Musa Uzunlar em Aile (Foto: Divulgação/Show TV)


Ainda assim, Aile não é um melodrama que se preocupa com agilidade, ou que recorre a situações rocambolescas para dar uma sensação de que estar acontecendo algo. O roteiro de Hakan é pragmático e não corre contra o tempo. Todos os conflitos acontecem no tempo limite ideal. Alguns podem até questionar o porquê do casal protagonista ter se casado tão rápido. Bem, essa não é exatamente uma história de amor tradicional. Fiquem ligados.

Paixões agridoces

No primeiro capítulo uma cena em especial chama atenção. Na sequência, Devin recebe uma paciente que lhe relata estar vivendo um relacionamento abusivo com um namorado narcisista. Antes dessa cena é apresentado um fade com o nome de Aslan, e como definição o seguinte texto : "manipulador e narcisista". 

Kıvanç Tatlıtuğ e Serenay Sarıkaya em cena de Aile (Foto: Divulgação/Show TV)


Voltando ao diálogo entre Devin e a paciente, esta última confessa para a psicóloga que o namorado age como se estivesse apaixonado, mas está apenas camuflando seu transtorno de personalidade e seu lado controlador. Aqui claramente o roteiro está descrevendo o relacionamento entre Aslan e Devin, mesmo que muitos fãs romantizem essa relação. Aos poucos Devin está se sentindo manipulada pelo esposo - sem perceber - e já até confessou que não pode viver sem ele. Coincidência ou não, algo parecido foi dito pela sua paciente no primeiro episódio. "Você já se apaixonou por seu carrasco, Srta. Devin?", a paciente questiona. Será que até o final da série Devin vai ter esta resposta?

Não muito distante dali há o relacionamento entre Eko (Umutcan Ütebay) e Yağmur, claramente uma releitura do casal problemático jovem de The Sopranos. Eko surge como uma figura protetora para a desestabilizada Yağmur, porém o abismo é logo ao lado. Ambos são personagens "quebrados", e como disse Miranda Bailey de Grey's Anatomy (2005-atual), depois que uma pessoa se "quebra" é como um jarro, mesmo sendo remendado, nunca voltará a ser como antes.

Christopher e Adriana /  Eko e Yağmur (Foto: Montagem)


Atuações

Com um elenco gigante para os padrões de novelas turcas, Aile é um produto com um elenco talentoso. Kıvanç Tatlıtuğ consegue desenvolver todo o arco controverso de seu personagem, além de mergulhar no drama pessoal sem cair em armadilhas casuais como tampar o rosto na hora de chorar. 

Da mesma forma, Serenay Sarıkaya retornou à TV em grande estilo. Sua personagem apesar de ter um senso do que é certo e errado, vai desenvolvendo diferentes matizes ao longo dos capítulos. Inclusive, a atriz vai de um extremo ao outro com uma performance muito capaz. 

Porém sem dúvidas o grande destaque vai para o trio: Canan Ergüder, Nur Sürer e Nejat İşler. Ambos em papéis de menor destaque, conseguem despertar atenção com atuações fortes sem ultrapassar a linha do equilíbrio e fugir para a caricatura. 

Nur Sürer, Nejat İşler e Canan Ergüder (Foto: Montagem)


Palavra final:

Apesar de ter um enredo simples, Aile consegue eficiência, seja no texto dramático, ou na direção caprichada. Sem dúvidas, a produção turca de maior qualidade da temporada atual.


Nota: 9,0/10,0

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